Publicado originalmente em Mundo Logística
Impacto da redução do ciclo de vida dos produtos na Cadeia de Suprimentos
A constante evolução de estratégias comerciais, aliada ao avanço do tema sustentabilidade em diversos âmbitos das corporações, tem contribuído direta ou indiretamente, para a concepção de produtos cada vez menos duráveis ou com maior apelo por constantes atualizações.
Para entender melhor o tema, é importante conhecer as cinco principais etapas do ciclo de vida dos produtos, ilustradas a seguir:
Etapas do ciclo de vida dos produtos
De acordo com a Bain & Company, a maturidade de produtos pode durar, em média, de 5 a 15 anos, variando significativamente entre setores (mais curta em tecnologia e mais longa em bens de consumo).
Grandes corporações possuem estudos refinados para otimização do shelf life de seus produtos. Uma vez que um indicador muito baixo reduz a probabilidade de vendas, enquanto um valor muito acima do necessário impacta negativamente na recompra pelos clientes. Na indústria farmacêutica, por exemplo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, nos EUA aproximadamente 2% de todos os medicamentos nas farmácias vencem antes da venda. Isso impacta diretamente em custos operacionais relacionados a logística, principalmente em logística reversa (descarte, reciclagem). A estimativa dos custos, segundo a McKinsey, gira em torno de US$ 2 bilhões por ano, no mundo.
No ramo de varejo alimentar essa estatística é ainda mais agressiva, onde de acordo com a Food and Agriculture Organization, estima-se que 30% dos alimentos produzidos no mundo sejam desperdiçados.
Dentre outros estudos, esse planejamento deve direcionar, principalmente, a primeira etapa do ciclo – ideação e desenvolvimento. Dessa forma, o foco das diretorias de P&D recai sobre a inovação aliada à geração de uma demanda recorrente dos clientes pelo seu produto. Tudo isso atrelado a um esforço contínuo direcionado a redução de custos dado que o desenvolvimento de novos produtos tem aumentado cerca de 20% na última década (Deloitte, 2021), impactado entre outros fatores pelo crescente investimento em marketing digital.
Desse modo, a indústria de telefonia móvel, por exemplo, utiliza estratégias de marketing para encurtar o ciclo de vida, realizando lançamentos anuais ou até com menor periodicidade. Não apenas a durabilidade, mas também o anseio por novas funcionalidades (nem sempre tão novas) provocam a busca dos clientes por produtos atualizados. Essa estratégia reduz principalmente as etapas 2 e 3 – introdução e crescimento, respectivamente – uma vez que atualizações são lançadas e antecipam a obsolescência do produto anterior.
Ademais, cada lançamento já nasce com uma pressão de redução de custos. Esse objetivo nem sempre é atingido de forma orgânica. É comum que tanto a funcionalidade, quanto a qualidade sejam afetadas ao longo do ciclo de vida do produto, o que corrobora para o anseio dos clientes pelo próximo lançamento, onde reside a expectativa de um produto melhor ou com mais funcionalidades, nem sempre atendida.
No final do ciclo, porém não menos importante, o declínio é muito impactado por atualizações e inovações que tomam o mercado, substituindo produtos mais antigos. Como citado, empresas perenes antecipam o declínio de uma mercadoria com a introdução de um novo lançamento de forma recorrente. Nesse contexto, torna-se mais rara a falência de uma empresa que recusa uma atualização no negócio, em detrimento da confiança em um modelo já estabelecido há anos. Blockbuster’s ou Kodak’s tendem a ser mais raras quando a diretoria comercial das empresas atua ativamente (seja de forma direta ou não) com foco no encurtamento do ciclo de vida dos produtos.
De acordo com o Gartner, em média 10% a 20% dos produtos de uma empresa são descontinuados anualmente, justamente devido a estratégias relacionadas a marketing e/ou comercial.
E o que isso tem a ver com a cadeia logística?
Em um mundo pós-pandemia, alguns novos modelos se estabeleceram e mantiveram-se mesmo com o fim do isolamento. O conforto de realizar tarefas de casa impactou diretamente no estilo de compra dos consumidores. De acordo com a eMarketer, as compras online passaram a representar mais de 20% do total de vendas no varejo global em 2022, comparado a apenas 13,8% em 2019.
A facilidade de realizar compras online é uma funcionalidade que cada vez mais empresas ofertam aos clientes, podendo ser inclusive um fator de sobrevivência já no médio prazo, em algumas indústrias. Em estudo recente, a PwC identificou que em torno de 70% dos consumidores compram online pelo menos uma vez por mês. Essa facilidade, indiscutivelmente, adiciona uma carga extra em pilares da cadeia de suprimentos, principalmente em transporte e armazenagem.
Após essa contextualização, é aqui que conectamos a redução do ciclo de vida dos produtos. Junto à ampliação dos canais de compra, o ciclo de vida reduzido faz com que os clientes comprem com maior frequência. Celulares inicialmente trocados a cada três anos, são agora substituídos em um ano ou menos, podendo ser inclusive apenas para uma atualização (novo lançamento) e não necessariamente devido a algum defeito do aparelho antigo.
No setor de tecnologia, a redução do custo dos produtos devido à inovação e otimização de processos corrobora ainda mais para esse encurtamento do ciclo de vida. Aparelhos televisores, computadores, eletrodomésticos, entre outros, eram bens adquiridos e mantidos por maior tempo já há uma geração. Com inovações, os preços de itens inicialmente de luxo tornam-se acessíveis para mais consumidores, assim como acabam sendo mais facilmente trocados.
Quando se fala de custos, a cadeia logística é player relevante para análise de otimização em diversos pilares. Produzir melhor, com menor custo envolve negociar melhores condições com mais fornecedores, otimizar setores de compras, manufatura e armazenagem e avaliar melhores opções de transportes. Além disso, revisar a estratégia, considerando questões como malha logística e omnicanalidade para buscar potenciais otimizações de custos.
O pilar de armazenagem é o primeiro impactado pela redução do ciclo de vida dos produtos, uma vez que compras mais frequentes demandam elos logísticos cada vez mais próximos dos clientes, para que a demanda seja suprida em prazos satisfatórios para estes. Um possível caminho são postos avançados, muito utilizados por empresas que buscam exatamente essa disponibilidade mais próxima do local da demanda. Isso porque permitem, com menos investimento, o armazenamento de itens, em menor volume, porém de forma mais capilar.
Em resumo, um aumento na frequência de compras pode ser atendido por uma maior frequência de abastecimento, ou por mais espaço de armazenamento. A segunda alternativa requer estudos, principalmente, de otimização da malha logística, para direcionar a abertura de novos centros de distribuição. Vale lembrar que a conta não é tão simples, uma vez que uma estrutura maior requer mais controle para evitar outros custos, como excesso de estoques ou ruptura de produtos específicos.
O segundo pilar, transportes, é impactado justamente pelo fator frequência. Quanto mais recorrente é a demanda por abastecimento, maior o custo para a empresa manter os pontos da cadeia devidamente abastecidos. A análise de make x buy é uma dentre as diversas opções que comumente indicam potencial otimização de custos nesse objetivo de atender não apenas a demanda, mas na frequência necessária. Cada vez mais transportadoras estão aliando a tecnologia (ferramentas de roteirização, aplicativos) às suas operações, tornando mais atrativa a terceirização do serviço para diversos segmentos da indústria.
A entrega no mesmo dia é um desafio adicional na competitividade entre empresas, dado que se trata de um dos fatores decisivos no momento da compra. Esse novo padrão de consumo, aliado a um ciclo de vida reduzido de produtos, exige investimento em infraestrutura, bem como estudos de otimização de transportes, que envolvem a seleção adequada de modal por região.
Na perspectiva dos demais pilares da cadeia logística, o impacto da redução do ciclo de vida dos produtos tende a ser inferior quando comparado a transporte e armazenagem. Todos eles, seja a gestão de fornecedores, compras ou manufatura, precisam se adaptar, em maior ou menor grau, não apenas às estratégias relacionadas à maior frequência de compras, mas também às alterações nos perfis de consumo. Desse modo, os pilares se estruturam para atender às alterações de demanda e ao mesmo tempo incrementando o controle necessário para uma operação mais ágil e dinâmica.
Por uma perspectiva ESG, a redução do ciclo de vida dos produtos gera implicações significativas para o impacto ambiental e para a responsabilidade social e de governança das empresas. A necessidade de substituição frequente de produtos contribui para o aumento de resíduos e o esgotamento de recursos naturais, especialmente em setores de alta rotatividade, como o de tecnologia. Ao incentivar a recompra constante, as empresas reforçam um ciclo de consumo que pode ser insustentável a longo prazo, tanto ambientalmente quanto socialmente. Nesse contexto ESG, há uma necessidade crescente de desenvolver estratégias que promovam o design de produtos mais duráveis e que integrem práticas de economia circular, incluindo reutilização e reciclagem. Isso é essencial para garantir que as cadeias de suprimento se alinhem a objetivos de sustentabilidade, ao mesmo tempo em que respondem às novas demandas de consumo.
Portanto, pode-se afirmar que o ciclo de vida dos produtos está em redução, em taxas variáveis entre diferentes segmentos. Essa redução influencia e é influenciada pelas estratégias de produtos, marketing e comercial das empresas, além de desafiar elos da cadeia logística. Os pilares mais impactados são Armazenagem e Transportes, na medida que precisam ser responsivos ao aumento de frequência de compra dos clientes, garantindo o atendimento à demanda, ao mesmo tempo que atendem a diretrizes de otimização de custos.